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Indígenas de Paraty lutam por reconhecimento de terras e denunciam ataques

Divulgação/Richard Wera Mirim

Ataques frequentes de posseiros, caça ilícita, desmatamento e venda ilegal de terras. Indígenas de Paraty, na Costa Verde do Rio de Janeiro, afirmam sofrer discriminação e violência. Eles consideram que o preconceito tem ganhado força com o avanço no processo de demarcação e sido fomentado por autoridades locais.

São anos de tensão. Um confronto violento que virou caso de polícia. Indígenas e posseiros disputam mais de 2 mil hectares de terras. Até o momento, a demarcação do território, mesmo aprovada, não avança na Fundação Nacional do Índio (Funai), o que vem levando à intervenção do Ministério Público Federal (MPF) diante das tensões geradas pelo atraso no processo.

Enquanto os indígenas reivindicam o direito às terras, do outro lado estão os moradores. Muitos deles chegaram depois que a área foi declarada como terra indígena. A área de mata fechada é o centro do conflito na localidade conhecida como Rio Pequeno, 20 km distante do centro da cidade e que faz divisa com fazendas, rios e cachoeiras.

Pelo menos 32 índios da aldeia Tekoha Jevy vivem no local. No segundo semestre de 2020, o MPF acionou a justiça para que a Funai e a União demarcassem 2.370 hectares de área indígena, território que abrangeria imóveis de moradores vizinhos. Assim, ficou intensificado o clima de hostilidade.

Vice-cacique, Neusa Martine (Kunhã Takuá no idioma guarani-nhandeva) acredita em um final feliz para a sua comunidade. Ao mesmo tempo em que teme pela vida dos envolvidos, a indígena de 33 anos sustenta a esperança na própria fé.

“Desde muitos anos, a luta do povo indígena é constante, e a luta pela demarcação aqui no território do Rio Pequeno não é diferente das outras. Mas, tem sido difícil para a comunidade, principalmente por conta das ameaças que a gente vem sofrendo. Medo de perder a vida, de as nossas crianças sofrerem ataque… A aldeia tem sofrido ataques. Tudo isso gera muita violência para a comunidade indígena. Dessa forma tem sido difícil. Mas, o povo indígena tem uma espiritualidade muito forte também, porque a gente acredita na vida espiritual, e o Tekoha Jevy já foi demarcado espiritualmente. Então, só aguardamos que a área seja demarcada no papel: registrado, assinado pelo ministério de Justiça, pelo governo, União…”, relata.

Neusa Martine é vice-cacique na Tekoha Jevy (Foto: Divulgação/Mariana Recalde)

Vale ressaltar que os índios guaranis foram alvo de ataques durante a segunda metade dos anos 1960. Houve mortes de uma mulher e uma criança. O grupo, então, acabou sendo forçado a abandonar a região na época.

O outro lado e o caminho até o desfecho

A Prefeitura de Paraty, por sua vez, pede a interrupção da demarcação por “vícios insanáveis por nele presentes”. Já a associação de moradores locais destaca a ausência de reconhecimento da comunidade tradicional caiçara e a consequente, segundo eles, colocação de outra etnia com a exclusividade.

Em agosto do ano passado, o Ministério Público Federal solicitou a conclusão do processo e a antecipação dos direitos dos índios. Além disso, estabeleceu, sob pena de multa, o prazo máximo de 24 meses. Só que, de acordo com o processo de demarcação de solo, depois da assinatura da portaria declaratória do ministro da Justiça, as terras serão homologadas somente após a questão passar pelo presidente da República.

O reconhecimento da ocupação permanente deste território pelos povos indígenas guarani foi lançado em 2017 no Diário Oficial da União, após o processo de identificação de terra pela Funai ser finalizado. A demanda, contudo, continua no Ministério da Justiça.

Dossiê, resistência e esperança

A Frente de Apoio aos Povos Indígenas do Brasil (FAPIB) e a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) enviaram, em 2020, um dossiê ao Ministério Público Federal e a Igor Miranda, procurador da República. No documento, constam relatos coletados em redes sociais sobre a situação de demarcação e conflito fundiário na terra indígena Tekoha Jevy. Os reivindicadores querem que providências cabíveis sejam tomadas.

“(…) a comunidade indígena do Rio Pequeno se tornou alvo, tanto do prefeito, quanto do grupo de oposição a ele”, diz um trecho do documento.

Luciano Vidal (MDB), prefeito de Paraty, foi reeleito no pleito de novembro. Dois meses antes, ele gravou um vídeo posicionando-se contra a homologação da terra.

Enquanto a situação não é solucionada, várias denúncias de invasões e confrontos seguem sendo feitas. Inclusive, há solicitações para que policiais atuem no local para garantir permanentemente a segurança de famílias, como fez o deputado David Miranda (PSOL-RJ).

“A nossa permanência no Tekoha Jevy é verídica. Nós iremos permanecer até o último suspiro de nossas vidas, porque aqui é o nosso lugar, nosso lar, nossa mata. Aqui a gente protege os nossos animais, nossa alimentação… O homem branco tem agido de várias formas para que isso não aconteça. É difícil, mas a gente já nasce dentro da luta, isso está no sangue do nosso povo. Nossos antepassados foram mortos, torturados, estuprados, violentados, e até hoje estamos sofrendo com assassinatos, muitos ataques de racismo, de preconceito. Nós temos comunidades carentes em nossa aldeia, com crianças, adolescentes, e eles vêm sofrendo psicologicamente. A gente luta contra isso também, levando às nossas crianças a importância da luta, da nossa permanência no nosso Tekoha Jevy, mesmo sendo difícil”, finaliza Neusa Martine.

Divulgação/Mariana Recalde