A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou, na quinta-feira (4), ao Supremo Tribunal Federal (STF), um diálogo de Deltan Dallagnol com uma procuradora identificada como Isabel, no qual ele a conta como foi um encontro com a juíza Gabriela Hardt. Dallagnol atuou como coordenador da força-tarefa da Lava Jato. Os advogados do petista acreditam que a conversa configura que havia uma pressão sobre Hardt, que substituiu o então juiz Sergio Moro. De acordo com Deltan, ela disse que iria sentenciar o ex-presidente.
“Isabel, falei com a Gabriela [Hardt]. A Gabriela é … Perguntei dos casos, né? Perguntei primeiro do caso do sítio, se ela ia sentenciar… Aí ela disse: ‘Olha, está vendo esse negócio aqui na minha frente?’ Tinha uma pilha de papel grande na frente dela. Eu falei: ‘Tô‘. Ela falou: ‘O que você acha que é isso aqui?’ Aí eu sei lá, chutei lá qualquer coisa. Ela falou: ‘Isso aqui são as alegações finais do Lula’. É… que estão lá com umas 1.600 páginas. Ela falou: ‘Olha, eu tô tentando fazer isso aqui, tá todo mundo esperando que eu faça isso, mas tô aqui eu e o Tiago, e fora isso aqui – que é uma sentença -, eu tenho mais 500 casos conclusos pra decisão. Que horas eu que vou fazer isso aqui? Só se eu vier aqui e trabalhar da meia-noite às seis. Tem todas as operações. Tem as prisões que vocês pediram. Tem isso, aquilo…'”, relata Dallagnol no áudio.
“Então, ela tá assim bem, bem, ela falou de um modo bem cordial, toda querida, com boa vontade, querendo fazer o melhor. Mas, ela tá bem, assim, bem, assim, esticada. Sabe? E aí ela disse que vai sentenciar o caso do sítio, mas o outro ela não tem a menor condição de sentenciar. E já abriu hoje o edital de remoção, hoje mesmo, dia 10, e vai tá encerrado dia 22. Então, isso aí, certamente, vai ficar pro próximo juiz. É… Se tiver alguma ideia, alguma proposta pra fazer algo diferente, a gente precisaria ir lá conversar com ela, mas, assim, eu senti as portas bem fechadas pra isso. Parece bem inviável, mas, se tiver alguma sugestão diferente, vamos pensar juntos sim. Tá? Beijo”, finaliza o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato.
O diálogo foi extraído de mensagens obtidas por meio de um ataque hacker que é alvo da Operação Spoofing, da Polícia Federal.
Gabriela Hardt condenou Lula, em 6 de fevereiro de 2019, a 12 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação sobre o sítio em Atibaia. A juíza copiou parte da sentença que condenou Lula no caso do tríplex do Guarujá e que foi imposta por Moro.
Para o grupo de procuradores da República que integraram a força-tarefa da Lava Jato, é “legítimo e legal que membros do Ministério Público despachem com Juízes, como advogados fazem. Juízes têm obrigação de atender as partes e ouvir seus pedidos e argumentos, conforme previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e decidido pelo CNJ no pedido de providências 1465 e pelo STJ nos RMS 15706/PA, 13262/SC e 1275/RJ”.
“Existiu uma preocupação com a demora do julgamento dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o Instituto Lula, porque há nesse caso pessoas beneficiadas pela prescrição reduzida em razão da idade, como o ex-presidente Lula. A apresentação dessa preocupação à Justiça só demonstra zelo dos procuradores pelo interesse público”, diz outro trecho da resposta dos procuradores.
Por sua vez, a juíza Gabriela Hardt declarou que nunca recebeu “lista de prioridades” do Ministério Público Federal e que não vê nada de “anormal” naquilo que disse.
“O áudio cita que a magistrada estava com muito trabalho e com pouca assessoria, o que corresponde à realidade daquele período. Certamente foi uma afirmação que fez a todos os que foram conversar com a juíza na época, solicitando urgência na análise de qualquer caso”, afirma Hardt, em nota.
Já o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) disse que “não se manifesta a respeito de processos sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF), em nome da disciplina judiciária e da independência da magistratura, conforme previsão expressa dos artigos 36, inciso III, e 41 da Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional)”.
O compartilhamento de mensagens da Operação Spoofing com a defesa do ex-presidente foi autorizado pelo STF no início de fevereiro deste ano. Na visão dos advogados de Lula, o material serve de argumento para que Moro seja declarado suspeito para realizar seu julgamento, tornando nula a condenação.
Confira a resposta dos procuradores:
“1. É legítimo e legal que membros do Ministério Público despachem com Juízes, como advogados fazem. Juízes têm obrigação de atender as partes e ouvir seus pedidos e argumentos, conforme previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e decidido pelo CNJ no pedido de providências 1465 e pelo STJ nos RMS 15706/PA, 13262/SC e 1275/RJ.
2. Existiu uma preocupação com a demora do julgamento dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o Instituto Lula, porque há nesse caso pessoas beneficiadas pela prescrição reduzida em razão da idade, como o ex-presidente Lula. A apresentação dessa preocupação à Justiça só demonstra zelo dos procuradores pelo interesse público. Por outro lado, a juíza Gabriela Hardt não sentenciou esse caso envolvendo o Instituto Lula. O caso, aliás, não foi sentenciado até hoje, correndo risco concreto de prescrição. Assim, ainda que o áudio tenha ocorrido da forma como apresentado, o que não se pode assegurar, só demonstra o zelo do Ministério Público e a independência e a imparcialidade da juíza.
3. Em relação ao caso envolvendo o sítio de Atibaia, a juíza Gabriela Hardt foi responsável por audiências de instrução e a lei determinava que ela sentenciasse o caso – de fato, conforme determina o § 2º do art. 399 do Código de Processo Penal, “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir sentença”. Como reza a lei, ela proferiu sentença. Assim, ainda que o áudio tenha ocorrido da forma como apresentado, o que não se pode assegurar, só demonstra o zelo pela correção do procedimento.
4. Os procuradores da República que integraram a força-tarefa Lava Jato reafirmam que não reconhecem o material criminosamente obtido por hackers que tem sido editado, descontextualizado e deturpado para fazer falsas acusações sem correspondência na realidade, por pessoas movidas por diferentes interesses que incluem a anulação de investigações e condenações.”
Leia a nota divulgada pela juíza Gabriela Hardt:
“A juíza nunca recebeu “lista de prioridades” do MPF. Já recebeu e continua recebendo em diversas oportunidades pedidos de partes, alegando urgência na análise de pedidos formulados, tanto da acusação quanto da defesa. Na medida do possível e entendendo pertinente a urgência, tenta atender.
O áudio menciona que a juíza teria dito que estava tentando minutar a sentença de um processo que lhe caberia sentenciar em razão de ter finalizado sua instrução. Ela não vê nada de anormal nisto. Pelo que consta a conversa teria sido no início de janeiro e a sentença foi publicada no mês seguinte, dada sua complexidade.
O áudio cita que a magistrada estava com muito trabalho e com pouca assessoria, o que corresponde à realidade daquele período. Certamente foi uma afirmação que fez a todos os que foram conversar com a juíza na época, solicitando urgência na análise de qualquer caso.
“Fico feliz em ouvir que mesmo durante aquele período extenuante de trabalho o procurador tenha mencionado que fui cordial, que estava com boa vontade e querendo fazer o melhor, pois este sempre foi o meu objetivo como magistrada”.”