“Por que vou reprovar em 2020”? O questionamento está levantado por alguns estudantes da rede pública de ensino. Foi com este título que Júlia Almeida, de 17 anos, publicou um vídeo em sua conta de Instagram. Ela é uma integrante do conjunto de alunos que planejam repetir a série de propósito. O motivo? A pandemia do novo coronavírus. A BBC News Brasil ouviu parte desses jovens.
“Não é que eu vou fazer de novo, eu só vou fazer, porque esse ano eu não fiz nada”, explicou Juliana, que está no terceiro ano do Ensino Médio.
O conteúdo promovido por ela já registra mais de 120 mil visualizações e 900 comentários. A maioria se mostra estar de acordo com Juliana e compartilhando a ideia.
A estudante de uma escola estadual em Belo Horizonte (MG) se considera privilegiada, já que pode acessar a TV e a internet, mas vê o outro lado da história e demonstra preocupação com os colegas que não possuem a mesma possibilidade.
“Em todo 2020, tive quatro dias de aulas, e olhe lá. [No ensino a distância, são] vinte minutos de aula por dia, sendo que na escola eu tenho 40 minutos (cada aula) e 5 aulas por dia. Não dá para repor. É só colocar na balança”, enfatiza.
Juliana afirma não ter aprendido “uma gota de matéria em cinco meses” e não consegue projetar a recuperação do tempo perdido nos próximos quatro. Ela fará o Enem em janeiro, mas acredita que não está em condições ideais de testar seu conhecimento.
Foram 14 alunos consultados pela reportagem. Neste grupo, estão representados os seguintes estados: Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Todos garantem ou avaliam planejarem suas próprias reprovações. Eles não vêm conseguindo compreender os conteúdos via aprendizagem remota. Aproximadamente 87,4% dos estudantes do ensino médio estudam na rede pública, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019, do IBGE.
“A gente não está fazendo o segundo ano, nem sei o que a gente está fazendo. Todos os meus amigos estão com dificuldade, todos reclamam, ninguém está entendendo nada das matérias”, ressalta Marcelo (nome fictício), da também mineira Montes Claros.
Opiniões divergentes de profissionais
A educação a distância precisa ser “pensada com seriedade, não como paliativo ou improviso, como estamos fazendo, de qualquer maneira”. É o que pensa a pedagoga Sheyla Alves Xavier, mestre em educação pela Universidade Federal de Pernambuco e profissional da educação infantil da rede pública em Recife.
“Fazemos todo um planejamento visando o Enem, e agora passamos tanto tempo sem aula presencial e essa prova vai acontecer praticamente um mês depois do tempo em que ocorreria num contexto normal, sem pandemia”, destaca a pedagoga, que também aponta um fator grave presente no cenário atual: “E os alunos de escola pública continuam sem aula presencial e com acesso muito limitado às aulas remotas.”
Professora universitária e diretora do centro de políticas educacionais da Fundação Getúlio Vargas, Cláudia Maria Costin, por outro lado, pondera a situação avaliando de forma um pouco diferente.
“Foi realmente um desafio grande, no caso brasileiro maior ainda porque uma parte importante das casas não tem conectividade e, se tem, é por meio de celular. Mesmo nessas condições, eu não tenho uma visão tão negativa assim. Houve aprendizado do começo da pandemia das redes públicas de como lidar com a situação”, considera.