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Em São Gonçalo, manifestantes fazem ato contra morte de João Alberto

Portal 65

Atos de posicionamento contra o racismo têm ocorrido com contundência no País desde a morte de João Alberto Silveira Freitas. Na manhã deste domingo (22), o estacionamento da unidade do Carrefour de Neves, em São Gonçalo (RJ), foi tomado por protestantes. Militantes do Movimento 65 e da Unegro de Maricá marcaram presença na manifestação. O ato reuniu cerca de 200 pessoas.

Os manifestantes destacaram a necessidade do fim do racismo estrutural. Também deram ênfase ao movimento “Vidas Negras Importam”.

Homem negro, João Alberto tinha 40 anos de idade. Perdeu a vida na última quinta-feira (19), após ser espancado por seguranças até as últimas consequências. O caso aconteceu em uma unidade de supermercado do grupo Carrefour em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.

“Estamos num processo bem delicado do nosso país, politicamente falando. Tivemos nosso ano atravessado por uma pandemia. É bom observar que uma das primeiras vítimas de Covid-19 desse país foi uma mulher negra, empregada doméstica, repetindo ações que são heranças da escravatura. Ela saiu da sua casa para proteger a vida de um patrão. Morando na casa de seu patrão, essa mulher foi uma das primeiras vítimas da Covid e, sucessivamente, nós tivemos várias outras perdas”, lembrou a presidente da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro) de Maricá, Monica Gurjão, em entrevista ao Portal 65.

“Tivemos, nessa semana, a fala do nosso vice-presidente da República (Hamilton Mourão), dizendo que no nosso país não existe racismo. Aí, você pega os exemplos no país. Uma patroa coloca uma criança, filha de uma empregada doméstica, negra, no elevador, a criança é morta (caso Miguel Otávio, de 5 anos de idade, em Recife/PE). Em São Gonçalo, a gente tem uma criança morta pela polícia do estado (caso do menino João Pedro, de 14 anos), uma criança negra. Tivemos várias outras pessoas negras que foram agredidas e assassinadas nesse país por essa polícia e essa política genocida que o Estado implantou já há um bom tempo”, acrescentou.

Monica reforça que “as pessoas, o senso comum e o atual governo continuam afirmando que o país não é racista”. Ela frisa que a presença dos manifestantes reafirma “que vidas negra importam, que basta de racismo e que racismo existe, sim”.

“Estamos perdendo várias vidas e o senso comum continua naturalizando a perda dessas vidas. Quero deixar uma pergunta: se todos esses corpos expostos, que a gente perdeu durante todo esse tempo, fossem brancos, qual seria a pergunta? Qual seria a resposta para essa questão? Qual seria a reação da nossa sociedade? A gente diz, todos os dias, que a gente sangra. E nós sangramos todos os dias nesse estado. A gente dorme e acorda, todos os dias, tendo as casas invadidas pela polícia, tendo a polícia metendo os pés na porta de todo mundo, matando a juventude e, agora, em rede nacional, de forma escancarada, perdemos a vida de mais uma pessoa, de um pai, um chefe de família. Nosso país é ou não é racista?”, questiona a líder da Unegro.

Presidente estadual da União da Juventude Socialista (UJS), Leonardo Guimarães considerou o ato deste domingo em São Gonçalo como “vitorioso”, de “maioria negra” e indignada. Salientou que “são eles que sofrem diariamente na pele as dores e a violência do racismo”.

“O Brasil tem, na formação social, história do seu povo, a marca da violência, da escravidão, de uma abolição que foi feita sem conferir direitos. Então, todos aqueles que lutam por um Brasil melhor, mais justo, menos desigual, precisam compreender que o racismo formou as nossas desigualdades. A luta pela desigualdade passa, necessariamente, pela luta antirracista. Para a gente, não basta que os brancos, eu sou branco, não sejam racistas. Precisam ser antirracistas, somar à luta do povo negro e apontar que as contradições que existem na classe trabalhadora, em geral, são marcadas pela questão da raça. Os trabalhadores mais pobres, em geral, no Brasil, são negros. Racismo não permite que o Brasil avance, se desenvolva, que a nossa juventude negra viva”, disse.

“O racismo está na forma como se organiza a sociedade, o estado, que também é racista. Por isso a gente fala que existe um racismo que é estrutural. Quando não tem saúde para a população, em geral tem menos saúde pública para o povo negro. Quando não tem educação para a sociedade, em geral não tem educação, em especial, para o povo negro. Por isso, é importante que a gente lute, de fato”, completou Leonardo Guimarães.

Repúdio à declaração negacionista do governo

Em resposta ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que, mesmo após o ocorrido em Porto Alegre, disse à imprensa que “não existe racismo” no Brasil, o vereador Leonardo Giordano, de Niterói, afirmou que “quem passa pano para o racismo passa pano para a violência e não reconhece a verdadeira história do Brasil”. Leonardo ainda fez uma sugestão ao representante do governo federal.

“Recomendo ao vice-presidente estudar a história do Brasil e simplesmente atravessar rua, ir na rua, e ver como o racismo é presente na sociedade brasileira. Os menores salários são do povo negro, as maiores violências são cometidas contra o povo negro, a maior quantidade de pessoas encarceradas, de assassinatos por razão violenta, entre muitos outros crimes e barbaridades que são cometidos todos os dias, indesculpáveis e que a gente precisa superar”, declarou Giordano.

“No Dia da Consciência Negra, a gente recebeu essa notícia terrível de mais esse símbolo da violência, que tem sido, na história desse país, uma chaga estrutural. O racismo é inadmissível, ceifou essa vida e ceifa vidas cotidianamente nas comunidades empobrecidas e em todo o País. Estamos aqui para lutar contra o racismo e a favor de uma sociedade que abrace todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás. A nossa indignação, o nosso pesar e a nossa luta aqui, firme, contras as injustiças de forma geral e, em especial, contra o racismo estrutural presente na sociedade brasileira”, comentou Giordano sobre a morte de João Alberto.

Cláudia Vitalino, presidente da Unegro no estado do Rio de Janeiro também registrou sua indignação. Ela recordou acontecimentos recentes que comprovam a existência da cultura do racismo no Brasil.

“Não é um caso isolado, não é o primeiro mercado, teve o caso do Extra… Nesse hipermercado (Carrefour) já aconteceram outros casos iguais a esse. É um mercado racista, que, na verdade, representa o que acontece em vários mercados. Não é novidade. Porém, o que mais estarrece é que as pessoas não fizeram nada, não pararam suas compras, continuaram comprando, como se aquele corpo, que sangrava até a morte, não fosse ninguém. É a barbárie institucionalizada, mais uma vez, por esse estado racista, embora esse (vice) presidente tenha a cara de pau de dizer que no Brasil não existe racismo”, lamentou Vitalino.

“O que nós estamos fazendo não é simplesmente vir a um ato e chorar por mais um dos nossos, porque, se toda a vida importa, a gente não deveria estar nesse momento dizendo que as vidas negras importam, porque a vida de todo humano importa. Mas, nós estamos berrando porque isso (com brancos) não acontece. E esse problema não é dos negros, é da sociedade. As pessoas continuaram comprando e comeram aquela comida, desse supermercado, suja do sangue de um homem de 40 anos, que deixou quatro filhos. Como é que fica isso? Quem repara isso? Não compre no Carrefour, não compre no Extra e não compre em nenhum mercado que trata preto e preta como esses empresários tratam. É boicote sumário, porque essa gente só entende quando dói no bolso”, sugeriu Cláudia.

Manifestações pelo País

Maricá, São Paulo e a própria Porto Alegre, por exemplo, tiveram protestos na última sexta-feira (20), Dia da Consciência Negra. Já no sábado (21), a capital paulista amanheceu com uma pintura da frase “Vidas Pretas Importam” em formato de hashtag. São esperados mais atos de repúdio em todo o Brasil.