Via Vermelho – O contexto mundial dos países do Brics, formado pelas cinco maiores economias emergentes do mundo, tem mudado bastante nos últimos anos. A questão econômica se agravou muito com a pandemia e fez com que seus governantes voltassem os olhos para os assuntos mais domésticos. A mais recente crise do bloco é protagonizada pelo Brasil, que deixou de pagar uma parcela de US$ 292 milhões (R$ 1,6 bilhão) para um aporte de capital do NDB – Novo Banco de Desenvolvimento -, conhecido como o banco do bloco.
O prazo para pagamento venceu no último dia 3 de janeiro. O professor titular de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da USP, Paulo Borba Casella, especialista em Brics, nos ajuda a entender essa questão. A instituição financeira foi criada pelo grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Sem o pagamento, o governo brasileiro pode perder o direito a voto no banco. Além disso, não se sabe que sanções poderão vir no futuro.
Casella comparou o calote a um problema condominial em que o morador perde o direito de voto por não pagar o condomínio. “Uma tremenda vergonha, que compromete o estado brasileiro, que deixa de cumprir o combinado, e a imagem da instituição financeira”, lamentou.
Ele também explicou porque o banco é uma inovação importante, junto com o FMI e o Banco Mundial, que são de financiamento internacional. O NDB é de interesse estratégico para estes países emergentes, por isso o constrangimento gerado pelo inadimplemento do Brasil, criando dúvidas sobre o funcionamento da instituição no futuro.
Para o professor, é lamentável que o Brasil esteja se isolando do mundo, como nunca antes se viu, ao dar calotes a várias instituições internacionais e tendo se indisposto com tantos parceiros tradicionais. Embora a China tenha um peso muito maior que os demais países do bloco, o direito de voto é igual para todos, mesmo com suas diferenças de tamanho.
“É sombria a expectativa”, diz, tentando acreditar que o governo vai tomar alguma iniciativa para mudar isso. Ele afirma que o Brasil deve pagar um preço muito caro pelas decisões equivocadas que vem tomando em relação à sua política externa.
CoronaVac, ChAdOx1 e Sputnik V
Curiosamente, todas as vacinas que devem imunizar os brasileiros contra a Covid-19 têm origem em países do Brics. O acordo feito entre o Instituto Butantan, administrado pelo governo de São Paulo, para desenvolver a CoronaVac no Brasil é de um laboratório chinês. Para correr atrás do prejuízo e fazer frente ao governo Dória, Bolsonaro procurou o laboratório Serum, da Índia, para importar a ChAdOx1, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, o laboratório Astrazeneca e a FioCruz. O governo da Bahia, por sua vez, tem acordo para obtenção de 50 milhões de doses da Sputnik V, a vacina do Instituto Gamaleya, da Rússia.
No entanto, o Brasil tem relações complicadas com todos esses governos. Bolsonaro e seus filhos não escondem o preconceito e indisposição ideológica contra o governo do Partido Comunista da China. Com isso, o ministério das Relações Exteriores age abertamente contra as relações com aquele país, que é o maior parceiro comercial do Brasil.
Contra a Índia, o Brasil agiu para sabotar a iniciativa daquele governo para exigir a liberação das patentes das vacinas Covid-19, e facilitar o acesso dos países mais pobres. A postura do Brasil, que sempre foi o protagonista desse tipo de iniciativa, só ocorreu porque o Governo Bolsonaro esteve alinhado com o Governo Donald Trump, dos EUA, que nada fez para ajudar o país em relação às vacinas. Além disso, o Brasil não contribuiu para a iniciativa Covax da OMS (Organização Mundial da Saúde), que previa um fundo de vacinas para os países em desenvolvimento.
Os distanciamento do Ocidente (América do Norte e Europa) em relação à Rússia, tentando isolá-la com ajuda da OTAN, também orientou a postura brasileira em relação ao governo Putin. Com isso, o Brasil criou dificuldades para obter vacinas de todos esses países, assim como insumos para sua fabricação, que também estão hegemonizados pelas fábricas asiáticas.
* Edição de entrevista à Rádio USP