Celso Pansera foi o convidado da edição desta semana do programa “Rio no Debate”, da TV 65, exibida na quinta-feira (22). O ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, que também já exerceu a função de deputado federal, atualmente é diretor-presidente do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá (ICTIM). A repetição de três palavras entre o cargo anterior e o de momento não é coincidência. Pansera carrega um vasto currículo nos respectivos temas e em outros assuntos que rodeiam o cotidiano da sociedade. Justamente por isso, ele lamenta mais de perto, entre outros obstáculos de abrangência nacional, a situação vivida pelos municípios fluminenses diante da pandemia de Covid-19.
“O Rio de Janeiro tem uma coisa muito interessante que é a capacidade de produção de conhecimento. São cinco universidades federais, três universidades estaduais, o Instituto Federal Fluminense (IFF), o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), o Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica), a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)… É uma concentração de núcleos de inteligência nesse estado que dá uma tristeza em ver que governos estaduais não aproveitam todo esse potencial. Por exemplo, por que a gente não reúne agora o pessoal que trabalha em saúde para consolidar uma cadeia de produção de vacinas aqui no estado do Rio de Janeiro? O Brasil não consegue produzir uma vacina totalmente brasileira. Não é porque não tem conhecimento, as pessoas vivem pesquisando. É porque não tem a cadeia madura ainda para isso. E o Rio de Janeiro tem condições de, com muita inteligência, com muita determinação política, construir essa cadeia”, avalia.
Pansera fez parte do governo do PT. Em outubro de 2015, mês de seu aniversário, tornou-se um dos ministros de Dilma Rousseff, após receber o convite da então presidenta. Nesse período, ele viu de perto algumas transformações no cenário brasileiro e mundial, como na questão econômica. Mudanças iniciadas já nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva.
“O Brasil chegou a ser a quinta, sexta economia do mundo em 2008, 2009, 2010 e 2011. Isso porque tiveram algumas orientações muito importantes do início do governo Lula, que foi realizar as duas conferências nacionais de ciência e tecnologia, publicar a estratégia nacional de ciência e tecnologia, investir pesado em infraestrutura das universidades de ciência e pesquisa e tornar o Brasil… O Brasil saiu do 23º lugar na pesquisa científica para 11° num espaço de dez anos. Isso fez com que, paralelo a isso, a nossa economia se desenvolvesse. Elas andam juntas: a economia, a ciência, a tecnologia, esses outros desenvolvimentos que não são dissociados. Se a gente olhar a produção do PIB (Produto Interno Bruto) da China em 1970, 1971, 1972, era o mesmo PIB em dólares do Brasil. Por que a China deu essa descolada do Brasil? Porque investiu pesado em conhecimento. A sociedade do conhecimento é a sociedade que pode levar a gente a um país mais igual, deixar de ser o futuro para ser o país do presente, e com política de distribuição de renda, obviamente. Mas, se não houver esse investimento em ciência, tecnologia e inovação, nós não vamos para a frente”, opina o ex-ministro, que reprova a gestão do atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Esse é o triste destino do Brasil. Você elege um governo que aposta na desinformação, na negação da ciência e isso tem consequências práticas, que são os cortes orçamentários, os cortes nas bolsas e um ataque à produção de conhecimento no Brasil, e o Brasil pagará, nos próximos anos, um preço muito alto por isso, porque esse é o momento paradigmático do conhecimento: tem o 5G surgindo, os carros autônomos, as energias renováveis, um amplo desenvolvimento, alcance e aplicação, a China aplicando fortemente na África, tentando transformar a África numa nova fronteira agrícola, e o Brasil está perdendo esse bonde. Infelizmente, nós estamos regredindo, porque boa parte dos bons cérebros brasileiros estão mudando para fora daquilo porque não veem futuro em continuar apostando na ciência brasileira”, considera, destacando que aqueles que hoje comandam o País têm a “negação da ciência como marca do governo”.
Impeachment
Celso Pansera (MDB entre 2013 e 2018; atualmente no PT) ficou seis meses como ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação. Em abril de 2016, pediu exoneração e retornou à Câmara dos Deputados para lutar contra o processo de impeachment sobre Dilma e a consequente ascensão do então vice Michel Temer (PMDB, atual MDB) ao cargo máximo do País.
“Teve consequências práticas o golpe. A gente chama de golpe porque foi golpe. Usaram um argumento que não existia, a tal de pedalada, que todo mundo pratica, está praticando agora. Essa polêmica aí do governo federal de publicar ou não o orçamento deste ano, o qual já estamos no mês de abril e que não tem orçamento… Quer mais pedalada que isso? Isso mexeu muito com a institucionalidade do Brasil, com o sistema político e o sistema produtivo brasileiro. E a crise não estancou, pelo contrário: só agravou. Temos agora a ‘tempestade perfeita’: crise econômica, com pandemia e a miséria aumentando enormemente, e temos mais de 380 mil mortes (por Covid-19) no Brasil. Minha solidariedade a essas famílias todas, mas é uma tragédia que o Brasil vive”, lamenta.
Maricá
Enquanto o País sofre o duplo drama, que envolve o caos na saúde e na economia, Maricá (RJ) tem conseguido ao menos controlar ambas as “tempestades”. Elogiada no enfrentamento ao coronavírus, a cidade comandada pelo prefeito Fabiano Horta (PT) é a única do estado – entre municípios com mais de 150 mil habitantes – a registrar mais novos empregos gerados do que demissões durante esse período que já passa de um ano. Com informação e apresentando soluções, Pansera derruba argumentos de quem tenta anular o trabalho realizado no município.
“As pessoas falam: ‘Ah, mas Maricá tem royalties do petróleo’. Tem, mas tem também governo inteligente, que criou o fundo soberano e guardou uma parte do dinheiro para as emergências, assim como o Brasil tem um fundo soberano. O Brasil tem quase 400 bilhões de dólares depositados no fundo soberano. Pega parte desse dinheiro e repatria ele. Não precisa tudo, pega 20% disso e traz para dentro da economia brasileira e financia a crise, o Bolsa Família, financia uma distribuição, um abono para as pessoas que estão desempregadas, financia a produção de vacinas, a produção de equipamentos e transforma essa grande crise numa grande saída”, propõe.
“Maricá demonstra que é possível expandir isso a um estado ou uma nação. É vontade política. Nós já vivemos isso. Em 2008, na crise econômica mundial, que quebrou grandes bancos e a economia americana e a economia europeia, o Brasil passou por aquela crise com políticas inteligentes: distribuição de renda, investimento em infraestrutura urbana e também rural, investimento pesado em programas de iluminação rural, por exemplo, que Lula fez na época, a construção das cisternas no semiárido nordestino, isso tudo foram recursos do governo que foram gastos e que retornam ao não ter pessoas desempregadas, porque quando estão desempregadas elas dependem do seguro desemprego, dependem do sistema previdenciário, então e pessoa não gera impostos, fica doente mais fácil e vai sobrecarregar o sistema de saúde. Então, o Estado, quando ele investe de forma inteligente em desenvolvimento econômico e social, ele tem os seus retornos. Mas, o que está acontecendo aqui, no Brasil, é o contrário”, conclui.
A entrevista completa com o ex-ministro Celso Pansera pode ser assistida no canal da TV 65 no YouTube. Já estão no ar quatro edições do programa “Rio no Debate”.